Justiça climática e direitos humanos: movimentos que precisam caminhar lado a lado

Amol Mehra e Ilan Vuddamalay Por Amol Mehra e Ilan Vuddamalay

Este artigo foi publicado originalmente em inglês por nossa parceira Thomson Reuters Foundation


 

Os movimentos de justiça climática e de direitos humanos estiveram, por muito tempo, em caminhos separados. Ambos fizeram progressos consideráveis na última década, mas se quisermos ver o tipo de mudança profunda que nosso tempo exige para as agendas desses dois movimentos, ambos devem se unir. Avanços recentes indicam que isto está começando a acontecer. 

O movimento climático alcançou o seu momento mais emblemático quando o Acordo de Paris entrou em vigor em 2016.  Mais de 196 governos, em todo o mundo, estabeleceram metas de redução das emissões de gases de efeito estufa para limitar o aquecimento global a 1,5 grau Celsius, um desafio de coordenação e ação sem precedentes. Eles também enviaram uma mensagem ousada aos atores de todos os setores – financeiro e empresarial, sociedade civil e filantropia - de que era hora de agir. 

Ao mesmo tempo, a inclusão do olhar para a proteção dos direitos humanos na atuação do setor privado se acelerou rapidamente a partir de 2010 quando as Nações Unidas endossaram os Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Negócios e Direitos Humanos (UNGPs), uma estrutura de diretrizes para prevenir e enfrentar o risco de impactos adversos das atividades comerciais sobre os direitos humanos. Os governos foram incentivados a traduzir os UNGPs em planos de ação ou referências nacionais. Com isso, intensificou-se a demanda para que empresas implementem a devida diligência em matéria de direitos humanos, um componente central dos UNGPs. Parlamentares identificaram uma oportunidade de reconhecer a expectativa de comportamento da devida diligência* por parte das empresas e os governos começaram a elaborar mandatos legais, como, por exemplo, a lei francesa Devoir de Vigilance de 2017 e a Lei Holandesa de Trabalho Infantil de 2019. Mais recentemente, o Parlamento Europeu indicou, por ampla maioria, a disposição favorável à adoção de uma lei de devida diligência obrigatória em toda a União Europeia que abrangesse as questões de direitos humanos e ambientais. 

Tanto o Acordo de Paris quanto os avanços em direção à devida diligência obrigatória têm o potencial de criarem um enorme efeito transformador em nossa economia. Na Europa, os governos e o setor privado tem avançado em ações para descarbonizar sua cadeia produtiva e minimizar suas nocivas emissões de gases de efeito estufa, ao mesmo tempo, marcos legais sobre os direitos humanos essenciais e a devida diligência ambiental estão sendo instituídos, o que retroalimenta e estimula a adoção de novos comportamentos por parte das empresas e dos governos através de incentivos e sanções.  

Por exemplo, sob um regime obrigatório de devida diligência, a incapacidade de uma empresa em descarbonizar pode ser vista como uma violação de direitos humanos e ambientais. A pesquisadora Chiara Macchi chamou esta fusão de “devida diligência climática” e argumenta que ela é uma noção emergente que exige que as empresas avaliem e enfrentem os riscos, bem como que integrem a dimensão das mudanças climáticas em seus relatórios corporativos, comunicações externas e decisões de investimento.  

Este conceito está sendo testado em tempo real na França. A gigante petrolífera Total está sendo processada** pelo escritório de advocacia francês sem fins lucrativos Sherpa, juntamente com 14 autoridades locais francesas e quatro ONGs. O processo alega que a incapacidade da Total de tomar medidas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa em suas operações é uma violação da lei francesa Devoir de Vigilance - a legislação seminal da França que exige dever de responsabilidade das empresas francesas para com os direitos humanos e os danos ambientais. 

Sandra Cossart, diretora da Sherpa, afirmou que: “Esta lei obriga especificamente as empresas a prevenir os riscos de violações dos direitos humanos e ambientais causados por suas atividades, e a fazê-lo de forma apropriada. A Total é legalmente obrigada a identificar os riscos resultantes de seus impactos ao aquecimento global e a tomar as medidas necessárias para reduzir suas emissões. ”

A mesma lei francesa também está sendo utilizada pelos representantes da comunidade Unión Hidalgo, no México, para buscar uma justiça climática mais ampla. A ação civil contra o projeto do parque eólico da Electricité de France (EDF)*** foca no descumprimento, por parte da EDF, dos seus deveres relacionados aos direitos humanos, o que inclui o empenho por acordos de consentimento livre, prévio e informado da comunidade indígena de Unión Hidalgo

No Brasil

A Repórter Brasil, parceira da Laudes desde 2017, é uma das organizações que atua em favor de mecanismos mandatórios que responsabilizem empresas e suas cadeias produtivas. Por meio de sua área de pesquisa, desde 2003 a organização apura e divulga informações sobre centenas de cadeias de suprimentos de empresas, nas quais identificou a relação entre infrações trabalhistas e problemas socioambientais, como o desmatamento. De acordo com Margarida Lunetta, gerente do programa de Direitos e Trabalho da Laudes Foundation no País “destacar essas cadeias é uma forma eficaz de pressionar empresas e governos a cumprirem suas obrigações por uma economia justa e regenerativa, de acordo com os princípios dos direitos humanos e da devida diligência”.

 

A urgência para enfrentar a crise climática é evidente e as vias para acelerar a transformação necessária em nossa economia estão se ampliando, inclusive através de mecanismos legais para a garantia de direitos humanos essenciais e a devida diligência ambiental. Se a Europa passar a adotar uma abordagem padronizada de devida diligência obrigatória com direito de ação, esta poderia ser uma ferramenta potente para mudar o ímpeto das corporações na abordagem de suas emissões de gases de efeito estufa. Dois caminhos distintos - o Acordo de Paris e as UNGPs e o impulso resultante em direção à devida diligência para garantia de direitos humanos fundamentais - estão de fato convergindo. E quanto antes, melhor. 

 


*‘Devida diligência’ foi a tradução adotada neste artigo para a expressão em inglês ‘due diligence’ que também é amplamente utilizada no Brasil na sua versão original, sem tradução.
**Nota da Thomson Reuters Foundation: depois que a ação judicial foi movida em janeiro do ano passado, a Total declarou lamentar que essa ação tenha sido tomada, acrescentando que estava trabalhando em conformidade com as normas legais nacionais. O caso está em andamento.
***Nota da Thomson Reuters Foundation: A EDF não respondeu a um pedido de comentários da Thomson Reuters Foundation sobre o processo judicial.

Sobre o autor

Amol Mehra e Ilan Vuddamalay

Por Amol Mehra e Ilan Vuddamalay

Amol Mehra é diretor de Programas na Laudes Foundation e Ilan Vuddamalay é gerente sênior do Programa de Direitos e Trabalho.

Compartilhar