Rumo a avaliações que promovam equidade

Mariana Xavier Por Mariana Xavier

Por que fazemos avaliações? Essa foi a pergunta que norteou minha participação no 15º Seminário Internacional de Avaliação. O convite para falar sobre avaliação em prol de maior equidade propiciou a oportunidade de refletir sobre como desenhamos, implementamos e utilizamos avaliações na Laudes Foundation, onde trabalho como gerente de Programa. Essa reflexão serviu também para revisar o que aprendemos até agora sobre como avaliações podem e devem contribuir para a equidade.

Na filantropia, avaliações são geralmente contratadas para obter respostas para perguntas como: “Vale a pena apoiar esse projeto ou iniciativa?” ou “Essa estratégia está alinhada à nossa missão?” A ideia principal é identificar o que funciona e, se possível, extrair conclusões aplicáveis a outros contextos ou comunidades. No entanto, nos últimos anos, começamos a nos questionar se as avaliações estavam realmente nos ajudando a fortalecer os projetos e organizações parceiras que apoiávamos. Quem estava fazendo uso dessas avaliações? O que elas nos diziam e o que mais poderiam nos contar?

Diante dessas questões, percebemos que as avaliações poderiam ter um propósito diferente. Mais do que apresentar um resultado final, elas representam uma ótima oportunidade de aprender com os desafios com os quais nós e nossos parceiros lidamos. Após alguns anos desenvolvendo avaliações externas, frequentemente subutilizadas, percebemos que, como uma fundação, não faz sentido sermos os únicos nem os principais usuários da avaliação. Atualmente, visamos gerar conhecimento que seja útil para todos os envolvidos, não apenas para nós, financiadores. Hoje, vemos a avaliação de um projeto como um processo de aprendizagem contínua que envolve múltiplas vozes e perspectivas. Ao ouvir Jara Dean-Coffrey, diretora da Equitable Evaluation Initiative¹. 

 

Armadilhas a serem evitadas e lições aprendidas até agora:

1. Sobre o propósito da avaliação  

Há 3 anos e meio, quando cheguei à fundação, tínhamos a ideia de que quanto mais avaliações fizéssemos, melhor seria. Como fundação recentemente consolidada, parecia crucial entender se estávamos no caminho certo e aferir resultados, mesmo que preliminares. Muitas vezes o objetivo era validar as decisões de doação para nós e nossa governança.

A medida em que nosso foco passou a ser promover aprendizagem para nós, nossos parceiros  e outros atores da sociedade civil organizada, o processo mudou. Aprendemos, por exemplo, que é fundamental desenhar os Termos de Referência e o Plano de Avaliação em conjunto com os parceiros. Atualmente, ao contratar uma avaliação externa, pensamos e discutimos, coletivamente, quais perguntas avaliativas devem ser priorizadas e onde devemos focar. Ao contemplar os interesses de nossos parceiros na fase do desenho, otimizamos as chances de chegar a uma avaliação útil e relevante para todos envolvidos. Com isso, passamos também a adotar métodos mais flexíveis e dinâmicos ao longo dos projetos, permitindo o aprendizado e a adaptação em tempo real.

 

2. Indicadores numéricos dão uma visão limitada

Indicadores quantitativos oferecem um recorte da realidade, mas, na maioria das vezes, nos dizem pouco sobre a qualidade ou o significado das mudanças observadas. Por isso, passamos a adotar rubricas avaliativas que permitem combinar evidências quantitativas e qualitativas de forma simplificada. Essas ferramentas servem como base para diálogo com parceiros ao longo da iniciativa, garantindo uma análise compartilhada.

Nosso objetivo é contemplar as especificidades dos contextos dos projetos e das pessoas afetadas por ele, incluindo dados sobre gênero, raça/cor e outras categorias sociais. Atribuir valor e significado aos dados por meio de diálogos com os parceiros diminui a assimetria de poder que, frequentemente, marca a relação entre financiadores e implementadores de um projeto. Quanto aos dados levantados, vale ressaltar que, se não levarmos em conta como diferentes categorias sociais contribuem para definir papeis e oportunidades, e ignorarmos as dinâmicas de poder entre as pessoas afetadas pelo projeto, correremos o risco de fazer com que as desigualdades persistam -  ou, até mesmo, sejam reforçadas.

Por isso, recentemente, adotamos uma rubrica de avaliação especificamente sobre gênero, equidade e inclusão, além de termos equidade como uma lente transversal aplicável a outras rubricas de avaliação. A ideia é garantir que nós, os avaliadores e nossos parceiros examinemos de que forma uma iniciativa está contribuindo para um ambiente socialmente inclusivo e justo, abordando dinâmicas de poder, normas, papéis de gênero e outras causas de desigualdade.

 

3. Promover equidade começa conosco

Pode parecer clichê, mas se quisermos ver uma mudança no mundo, precisamos estar abertos e prontos para mudar nós mesmos em primeiro lugar. Na filantropia, isto significa nos enxergarmos como parte do sistema que precisa ser mudado, não apenas parte da solução. Estamos incluídos em um sistema socioeconômico que reproduz desigualdades e injustiça social. Em outras palavras, ao apoiar projetos sociais, se não agirmos para reconhecer e combater essas diferenças, provavelmente estamos reforçando a desigualdade.

É preciso termos consciência sobre como nossas decisões influenciam o desenho e desenrolar das iniciativas. Por isso, é importante que nossas práticas e estratégias também façam parte do campo a ser avaliado. A ideia não é avaliar o parceiro ou a doação como se estivéssemos fora dessa equação, ou acima dela. A ideia é avaliarmos a parceria.  

O que isso significa para o futuro? À medida em que avançamos para um pensamento e uma prática avaliativa que visa equidade, reconhecemos que trilhamos um caminho desafiador e incerto. O que sabemos é que devemos estar mais abertos a diferentes perspectivas e vozes, explorar dinâmicas criativas e formas contínuas de avaliação com organizações parceiras, buscando uma validação multicultural e a apropriação pelos participantes. Nos conforta a convicção de que é um caminho necessário de crescimento e aprendizagem e, na medida em que chegamos mais longe, fica claro que não podemos voltar atrás. 

 

 


1. Equitable Evaluation significa o alinhamento de nossas práticas com uma abordagem de equidade e, de forma ainda mais poderosa, usando a avaliação como ferramenta para o avanço da equidade. Significa considerar estes quatro aspectos: i) diversidade de nossas equipes (além das étnicas e culturais); ii) adequação cultural e validade de nossos métodos; iii) capacidade de nossos projetos revelarem fatores estruturais e sistêmicos de iniquidade; iv) o grau em que aqueles afetados pelo que está sendo avaliado têm o poder de moldar e possuir a forma como a avaliação acontece. (https://www.equitableeval.org/ee-framework)

 


Sobre o autor

Por Mariana Xavier

Gerente do Programa Direitos e Trabalho na Laudes Foundation

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