Um ano de impacto: aniversário e estratégia da Laudes Foundation

Leslie Johnston Por Leslie Johnston

Há pouco mais de um ano, anunciamos nossa ambição de construir uma nova fundação com uma clara missão de enfrentar as crises climática e a desigualdade social.  

Naquela época, nenhum de nós poderia ter previsto os impactos da Covid-19. No entanto, assim como aconteceu com a pandemia, essas duas crises também exigem uma resposta ambiciosa e global. 

Em nossa opinião, estas questões representam a manifestação visível de um sistema econômico corrompido, que não protege as pessoas nem o meio ambiente e, provavelmente, com severas consequências de longo prazo. Da pobreza e marginalização ao aumento da temperatura global, indiscutivelmente estamos em um ponto de ruptura onde não agir significa mais sofrimento e dificuldades. 

O sistema econômico dominante trouxe prosperidade para muitos, mas é sobrecarregado por crenças profundamente enraizadas, particularmente a noção de que valor é um conceito puramente financeiro e as necessidades individuais superam o bem comum. 

Mas não é fácil reiniciar um sistema, reformular ideias e afastar-se do pensamento de curto prazo que rege a tomada de decisões e não leva em conta seu impacto sobre o clima e as pessoas. Os interesses instalados continuam a ser superiores à ciência climática, mas, felizmente, não estamos sozinhos em nossa missão.  Agora é hora de nos unirmos a outros e nos comprometermos coletivamente. 
 

Nossa visão na Laudes Foundation é aquela em que os mercados globais valorizam todas as pessoas e respeitam a natureza. Acreditamos que a filantropia, por meio de seu poder de assumir riscos, ser disruptiva e desenvolver, testar e dimensionar ideias, pode desempenhar um papel importante para catalisar esta mudança, particularmente se colaborarmos com aliados que compartilham os mesmos interesses nos negócios, finanças, política e na sociedade civil. 

Com esta finalidade, passamos o último ano consultando quase 300 líderes, transformadores e especialistas em vários setores para desenvolver nosso plano estratégico para os próximos cinco anos e nossa teoria da mudança. Juntos, descobrimos as causas fundamentais em nosso sistema econômico global, responsáveis por perpetuar a crise climática e a desigualdade social, e criamos um mapa dinâmico para visualizar seu funcionamento, quem são seus agentes e como eles estão trabalhando para a mudança. Também exploramos a melhor maneira de conceber um conjunto de programas interligados que contribuam para um novo paradigma: onde o valor é mais do que simplesmente o preço de mercado. 

Para chegar lá, estabelecemos uma ousada ambição. Até 2030, queremos ver uma economia mais favorável ao clima e inclusiva, onde as ideias tenham sido reformuladas, os incentivos redesenhados e os negócios e mercados estejam trabalhando - ousada e proativamente - para mitigar a mudança climática e reduzir a desigualdade social. 
 

Qual a nossa contribuição?

Primeiro, trabalhamos com e através dos negócios e da indústria; especificamente as indústrias da moda e da construção civil, ambas com um impacto negativo de grande porte sobre as emissões de carbono e sobre a inclusão social. Ao mesmo tempo, também nos concentramos, na Europa, no setor financeiro e de mercado de capitais, cuja influência se estende amplamente, impactando decisões e ações corporativas em toda a economia real. 

Em segundo lugar, concentramos nossas atividades em cada uma dessas indústrias e setores, em áreas que acreditamos serem catalisadoras. 

Em finanças e mercados de capital isto significa abordar o que vemos como uma questão primordial: o dinheiro está disponível, mas mal alocado e não necessariamente resultando na criação de valor no longo prazo para as pessoas ou para o meio ambiente. Para influenciar isto, estamos nos concentrando em quatro intervenções principais:

  • Integrar o preço das externalidades relacionadas ao clima na política;
  • Influenciar investidores e bancos para que cumpram com o Acordo de Paris;
  • Envolver os investidores para conduzir os negócios e a indústria em direção à conformidade com o Acordo de Paris; 
  • Expandir o novo pensamento econômico em aplicação prática com os legisladores e as empresas.

Nos negócios e na indústria, continuamos a ver empresas focadas exclusivamente no lucro, preço de ações e bônus executivos e não pagando o custo real de seus produtos, o que as colocaria em desvantagem competitiva.  

Na indústria da moda, nosso foco de atuação no Brasil, a concorrência global concentra o poder no topo da cadeia de suprimentos com marcas e varejistas, de modo que a pressão por menores preços é suportada por aqueles com menor poder de negociação – trabalhadoras e trabalhadores, produtores de matérias primas e o ambiente natural em países com regulamentação fraca. Estamos enfrentando este desafio através de seis intervenções principais:

  • Garantia de uma transição justa, incluindo a proteção social para trabalhadoras e trabalhadores;
  • Promoção de incentivos à responsabilização, incluindo transparência e mecanismos regulatórios;
  • Promover a ação coletiva em benefício de trabalhadores e comunidades e as organizações que os apoiam;
  • Permitir que a legislação incentive a próxima geração e materiais circulares (e não aqueles à base de combustíveis fósseis);
  • Acelerar o investimento em materiais circulares e da próxima geração (e desincentivar o investimento em materiais à base de combustíveis fósseis); e
  • Fazer a transição dos modelos de negócios (em matérias-primas) para abordagens paisagísticas, criando mais segurança de renda para agricultoras e agricultores e possibilitando práticas climáticas positivas.

Na construção civil, vemos incentivos desalinhados que atrasam o caminho para o zero líquido (menos de 1% do estoque de construção na Europa atende a este requisito) e que podem ter consequências devastadoras, para as pessoas e para o planeta, uma vez que número de imóveis deverá dobrar até 2060. Estamos abordando isto por meio de quatro intervenções principais, com um foco inicial na Europa:
 

  • Estabelecer e implementar roteiros da indústria, bem como possibilitar uma legislação sobre carbono com ciclo de vida integral (whole life-cycle carbon, WLC) e economia circular;
  • Acelerar a distribuição igualitária do investimento em carbono zero e em edifícios eficientes em termos de recursos;
  • Apoiar as comunidades para garantir a descarbonização do setor e o aumento da eficiência de recursos e promover a equidade e a inclusão social; e
  • Acelerar a adoção de construções sustentáveis de madeira e materiais de base biológica.

Em terceiro lugar, para que a Laudes Foundation tenha sucesso nas intervenções acima, precisamos influenciar a mentalidade e os comportamentos das autoridades competentes para acelerar esta mudança. Estas incluem:
 

  • Trabalhadores, agricultores e os movimentos que os apoiam (assegurando que aqueles que têm mais a ganhar com uma economia inclusiva também tenham um lugar à mesa; “nada a nosso respeito sem nossa presença”);
  • Empresários e líderes da indústria (que têm o poder de abraçar práticas climáticas positivas e inclusivas); 
  • Financiadores e investidores (que podem liderar a mudança por meio de seus próprios ativos e usar seu  poder de alavancagem para impulsionar os negócios e a indústria a agir); e
  • Legisladores e reguladores (que tem  a oportunidade de reescrever as regras do sistema, enquanto os governos buscam uma recuperação sustentável e justa dos efeitos da pandemia).

Como realizamos estas intervenções?

Como uma fundação filantrópica, vemos nosso valor não apenas nos recursos que temos disponíveis, mas também em nossa capacidade de fortalecer o campo, conectar aliados improváveis e formar coalizões. 

As seis abordagens que acreditamos que ajudarão a alcançar o maior impacto incluem: 
 

  • Acelerar a defesa de direitos através da capacitação, apoio, escalonamento e ampliação dos esforços de incidência política dos parceiros; 
  • Reforçar a responsabilização por meio de mecanismos de financiamento, incluindo a transparência, para motivar o progresso e impor normas e proteções; 
  • Dimensionar a pesquisa e a inovação para permitir a adoção, o monitoramento e a avaliação das ferramentas, modelos e soluções propostas; 
  • Cultivar alianças por meio da reunião de parceiros, coalizões, redes e movimentos em direção à colaboração; 
  • Amplificar narrativas e mudar o discurso dominante em torno do sistema econômico para criar apoio à mudança; e
  • Reimaginar o sistema econômico através da criação de novos modelos, soluções, narrativas e políticas para redefinir sua finalidade e agentes.  

A nossa capacidade de  estabelecer parcerias com outros financiadores filantrópicos e participar de alianças e coalizões relevantes é a chave para o sucesso de nossas ações. Além de ampliar o financiamento de objetivos comuns, isso nos dá também a oportunidade de compartilhar, aprender e, finalmente, melhorar a forma como trabalhamos.
 

Como será o sucesso?

Uma economia inclusiva e positiva em relação ao clima significa que veremos o seguinte movimento em cada uma de nossas áreas de foco:

Nas finanças e mercados de capitais (neste  momento, restrito à Europa):

Os fluxos de capital serão redirecionados para ativos em conformidade com o Acordo de Paris, enquanto as empresas de alta emissão de carbono que não demonstrarem esforços de transição terão dificuldades para levantar fundos e competir; as políticas, operações e comunicações do banco central estarão em total conformidade com o Acordo de Paris; as avaliações dos ativos refletirão o custo real do carbono; os auditores serão mais diligentes e terão de prestar contas em relação à escrituração dos ativos improdutivos; e o novo pensamento econômico, que redefine o valor em benefício de todos (incluindo apenas a transição), será a narrativa dominante dentro do setor financeiro.  

Na indústria da moda (foco da atuação da Laudes Foundation no Brasil):

Os governos garantirão o desenvolvimento e implementação de esquemas de proteção social e as empresas respeitarão os direitos humanos das trabalhadoras e trabalhadores ao longo da cadeia de fornecimento; as matérias primas farão a transição dos combustíveis fósseis sintéticos e celulósicos de base florestal para a próxima geração e materiais circulares; e a energia será compartilhada com as agricultoras e agricultores através de abordagens paisagísticas, que promovem a restauração do meio ambiente através do uso da terra e de processos agrícolas favoráveis à biodiversidade e a redução de emissões. 

Na construção civil (neste momento, restrita à Europa):

Uma massa crítica da indústria estabelecerá metas corporativas de carbono e eficiência de recursos e terá iniciado o processo para  lcança-las; o valor e a demanda por edifícios de baixo carbono aumentará e diminuirá para edifícios de alto carbono; a madeira sustentável se tornará a principal característica de edificações, a madeira sem conformidade não mais será viável e a construção civil aumentará a equidade e a inclusão social. 

Quais são os próximos passos? 

Iniciamos nossa missão de desafiar e inspirar a indústria a aproveitar seu poder para o bem há apenas doze meses. Agora, nossa equipe de 80 pessoas está estabelecida e atua ao lado de mais de 120 parceiros e alianças internacionais para transformar o sistema econômico global e a forma como ele define o significado de valor. 
 
E, embora este primeiro ano tenha apresentado alguns desafios inesperados (e não podemos prever o que os próximos anos trarão), estamos agora integrando nossa estratégia de cinco anos em nosso trabalho com nossos parceiros. Para que tudo ocorra bem, devemos continuar a ser adaptáveis, ágeis e abertos. Priorizamos o aprendizado e faremos correções onde for necessário. Somos guiados por nossos parceiros, pelos públicos de interesse em cada uma das indústrias e setores que estamos buscando transformar e por outros financiadores (muitos com anos de experiência, com os quais podemos aprender).

Finalmente, estamos caminhando no ritmo. Estamos em meio a uma emergência climática e todos temos um papel a desempenhar, seja como indivíduos, empresas ou financiadores filantrópicos. A Laudes Foundation está empenhada em desempenhar seu papel e a atuar em colaboração com todos os nossos parceiros globais, pensadores e apoiadores a fim de garantir um impacto ainda maior nos próximos anos.  


Sobre o autor

Por Leslie Johnston

Precisamos de ações audaciosas e corajosas para limitar os efeitos da mudança climática e lidar com a crescente desigualdade. Como CEO da Laudes Foundation, esposa e mãe, trago um profundo comprometimento com esta missão. Me sinto honrada de liderar uma equipe de pessoas inteligentes e apaixonadas que ajudam a construir um mundo melhor. 

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