O papel do doador no fortalecimento da sociedade civil no Brasil

Fabio Almeida Por Fabio Almeida

Nos contextos de crise, fica ainda mais clara a importância do trabalho das organizações da sociedade civil (OSCs). São elas que estão, por exemplo, na linha de frente da luta contra os impactos da COVID-19 no Brasil, garantindo que grupos vulneráveis tenham acesso a serviços de apoio, debatendo políticas públicas de proteção ao trabalho e renda e pensando caminhos para retomada da economia de forma sustentável. 

A mobilização de doadores, tanto pessoas físicas quanto empresas e fundações, tem sido fundamental para que que estas atividades se intensifiquem para fazer frente à urgência do momento. De acordo com o Monitor das Doações Covid-19, desenvolvido pela Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR), até a primeira semana de setembro haviam sido doados mais de R$ 6,3 bilhões para iniciativas de resposta à pandemia em todo o território nacional. Complementarmente, o GIFE, principal associação de investidores filantrópicos no Brasil, criou uma plataforma para promover a articulação entre os doadores e dar visibilidade às ações sociais beneficiadas com esses recursos. 

Ainda assim, apesar do aumento das doações diretamente vinculadas à resposta à pandemia, a distribuição entre as organizações do setor se dá de forma bastante desigual. Segundo um estudo feito pela consultoria Mobiliza, 73% das organizações consideram que foram enfraquecidas pela pandemia, 65% delas preveem uma redução em sua captação de recursos e diminuição no quadro de voluntários até o final de 2020 e 6% devem interromper suas atividades ainda este ano. O estudo aponta, por exemplo, que aquelas de menor faixa de orçamento anual (de até R$ 100 mil) são as que esperam redução mais significativa em suas receitas. E, por vezes, são essas as organizações que atuam junto aos grupos sociais mais vulneráveis, representam as minorias ou atuam para defesa do meio ambiente em regiões remotas da Amazônia. 

Em nosso papel de doador, há, portanto, uma reflexão necessária a se fazer: como podemos contribuir para o campo das OSCs como um todo? Como contribuir para estruturação do setor não somente para momentos de crise, mas também para enfrentamento dos desafios do dia-a-dia e representação dos interesses da sociedade brasileira nos processos democráticos? 

Pensando nisso, na Laudes Foundation dedicamos parte de nosso orçamento para iniciativas que oferecem uma infraestrutura de apoio e serviços a essas organizações, visando fortalecer tanto sua sustentabilidade no dia-a-dia das operações quanto sua resiliência para lidar com os momentos de crise.  

Como gerente de Desenvolvimento Institucional, lidero este portfólio de doações e, após algumas conversas com parceiros retratadas adiante, selecionei alguns exemplos de como esta atuação se dá na prática. 

Fortalecimento de capacidades 

A Fundação Avina é há dois anos uma importante parceira da Laudes no trabalho de fortalecimento da sociedade civil. Por meio da Rede de Advocacy Colaborativo (RAC) fornecem capacitação e ferramentas tecnológicas de acompanhamento da atuação do Congresso Nacional. Estes recursos são disponibilizados de forma gratuita para seus membros, que podem assim qualificar ainda mais seu trabalho, ter acesso a práticas inovadoras de outras organizações e se articular para alcançar maiores níveis de incidência nos tomadores de decisão da esfera pública. 

“Quando os doadores entendem a importância de, mais que financiadores das iniciativas, serem parceiros no fortalecimento do terceiro setor, a relação entre as partes muda. Todos se beneficiam com esse novo modelo: por um lado, as OSCs são fortalecidas também nas dimensões política e econômica, e por outro os doadores consolidam suas próprias agendas, aumentando seu potencial de impacto. A RAC é um exemplo de como o apoio a uma rede pode otimizar recursos humanos e financeiros, potencializar a incidência política dos membros e proteger a reputação das organizações”, diz Glaucia Barros, diretora programática da Fundação Avina. 

De maneira similar, apoiamos também iniciativas que promovem e disseminam melhores práticas de gestão, um elemento central de profissionalização do setor. Em captação de recursos, por exemplo, apoiamos institucionalmente a ABCR, que oferece capacitação, conhecimento e ferramentas para ajudar OSCs a alcançarem sustentabilidade financeira. Já para fortalecer as práticas de gestão de impacto, apoiamos a criação de um grupo de trabalho composto por representantes da filantropia nacional, capitaneado pelo GIFE, com a finalidade de fomentar a cultura da avaliação de projetos na sociedade civil.  

Estímulo à colaboração 

Outro grande desafio é promover a conexão e cooperação entre as diferentes iniciativas que financiamos. Recentemente, discutíamos a aprovação de apoio a uma iniciativa pioneira de acesso à justiça denominada Rede Liberdade, que envolve proteção legal a OSCs que têm seus direitos violados. Identificamos então uma oportunidade de conexão com a RAC, já citada, e proporcionamos um encontro entre os líderes de ambas redes. Desta conversa saiu um plano de trabalho conjunto, e nós oferecemos um apoio financeiro adicional para viabilizar essas atividades de cooperação. Hoje, a RAC contribui para identificar casos emblemáticos de violação de direitos de organizações sociais, que então são encaminhados para a Rede Liberdade. Em contrapartida, a Rede Liberdade oferece formação em litigância e outros recursos para as OSCs membros da RAC. 

“A articulação do time de advogados voluntários, defensores, promotores e entidades do terceiro setor, além dos próprios advogados da Rede Liberdade que atuam na defesa dos direitos humanos e na proteção jurídica das associações, possibilita que se construa um ecossistema mais seguro para a sociedade civil e defensores de direitos humanos em um momento de recrudescimento de direitos fundamentais no Brasil. Construir pontes com iniciativas como a RAC e com as principais redes de OSCs no Brasil garante que nossos esforços sejam focados nas necessidades mais urgentes e mais representativas do setor como um todo, aumentando assim nosso impacto social”, diz o coordenador executivo da Rede Liberdade, Marcelo Chilvarquer.  

Para nós da Laudes Foundation, este trabalho tem mostrado valor em diferentes âmbitos. Primeiramente, este ecossistema de serviços e recursos contribui com o terceiro setor como um todo, e como consequência com diferentes pautas sociais, ambientais e de defesa da democracia. Além disso, também acaba por beneficiar nossas atividades temáticas, aumentando o potencial de impacto de nossos diferentes programas. Esperamos, assim, que este tipo de prática, já adotada por alguns pares no investimento social privado, ganhe ainda mais escala e protagonismo na agenda dos institutos e fundações no Brasil.  


Sobre o autor

Por Fabio Almeida

Fabio lidera a área de Desenvolvimento Institucional e Redes na Laudes Foundation, com o objetivo de fortalecer nossos parceiros e encorajar a colaboração setor.

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